A Verdadeira Natureza da Saúde

livro luz na vida

” A única coisa que a maioria das pessoas esperam do corpo é que ele não as incomode. Elas se sentem saudáveis se não estão padecendo de nenhuma enfermidade ou dor, sem se dar conta de que o desequilíbrio que existe no corpo e na mente acabará por fazê-las adoecer. São três os efeitos do Yoga sobre a saúde: ela mantém saudáveis as pessoas sadias, inibe o desenvolvimento de doenças e ajuda a combater enfermidades.

Mas a doença não é só um fenômeno físico. Tudo que perturba a sua vida e sua prática espiritual é uma doença e, com o tempo, se manifestará em alguma enfermidade. A maioria das pessoas separou a mente do corpo e baniu a Alma da vida cotidiana, por isso esquece que o bem-estar dos três (corpo, mente a Alma) está intimamente entrelaçado, como as fibras musculares.

A saúde começa com a firmeza do corpo, aprofunda-se até a estabilidade emocional, conduz à clareza intelectual, à sabedoria e, finalmente, ao desvelar da Alma. Existem várias categorias de saúde. Há a saúde física, que todos conhecemos, a saúde moral, a saúde mental, a saúde intelectual, a saúde da consciência e, por fim, a saúde divina. Elas têm relação com o estágio de consciência em que nos encontramos e dependem dele.

O Yogue, porém, jamais esquece que a saúde deve começar no corpo. O corpo é o rebento da Alma. É preciso nutrir e treinar essa criança. A saúde física não é uma mercadoria que se pode barganhar. Tampouco pode ser ingerida na forma de remédios e pílulas. Ela deve ser conquistada com suor; é algo a ser construído. Você precisa criar dentro de si a experiência da beleza, da libertação e da infinitude. Saúde é isso. Plantas e árvores saudáveis produzem flores e frutos abundantes. Do mesmo modo, numa pessoa sadia, o riso e a felicidade reluzem como os raios de sol.

A prática dos asanas com o objetivo de ganhar saúde, manter a forma ou conservar a flexibilidade é o exercício externo do Yoga. Embora seja um bom ponto de partida, não é o fim. Quando penetramos mais fundo no corpo interior, a mente submerge no asana. A prática externa inicial mantém-se monótona e periférica, enquanto a segunda prática, mais intensa, literalmente encharca o praticante de suor, impregnando-o a ponto de fazê-lo buscar os efeitos mais profundos do asana.

Não subestime o valor do asana. Mesmo nos asanas mais simples, podem-se experimentar os três níveis de busca: a busca externa, que dá firmeza ao corpo; a busca interna, que dá constância à inteligência; e a busca mais profunda, que traz benevolência. Embora o iniciante geralmente não perceba esses aspectos quando está praticando o asana, eles estão presentes. Muitas vezes ouvimos as pessoas dizerem que se sentem ativas e leves mesmo com pouca prática. Quando um principiante experimenta esse estado de bem-estar, não se trata simplesmente dos efeitos externos ou anatômicos do Yoga. Trata-se também dos efeitos fisiológicos e psicológicos da prática.

Enquanto o corpo não estiver perfeitamente saudável, você ficará preso na consciência do corpo, e nada mais. Isso o desvia do objetivo de curar e cultivar a mente. Precisamos de um corpo vigoroso para desenvolver uma mente vigorosa.

Se não transcendermos as limitações do corpo e removermos suas compulsões, ele se tornará um obstáculo. Portanto, devemos aprender a explorar além de nossas fronteiras, ou seja, expandir e interpenetrar nossa consciência e ganhar domínio sobre nós mesmos. O asana é ideal para isso.

As chaves para abrir nosso potencial são as qualidades da pureza e da sensibilidade. O objetivo da pureza – ou simplesmente limpeza, como costuma ser chamada nos textos sobre Yoga – não é moral, em princípio. O fato é que a pureza possibilita a sensibilidade. Sensibilidade não significa fraqueza ou vulnerabilidade. Trata-se de clareza de percepção, o que favorece ações precisas e perspicazes.

Por outro lado, a rigidez provém da impureza, do acúmulo de toxinas, no sentido físico e mental – quando a denominamos preconceito ou estreiteza de visão. Rigidez é insensibilidade. Mediante um processo de eliminação e auto-aprimoramento, o suor do esforço e o insight da compreensão acarretam pureza e sensibilidade.

Os benefícios da pureza e da sensibilidade não se refletem apenas na jornada interior, mas também no ambiente fora de nós, no mundo externo. Os efeitos da impureza são extremamente indesejáveis; levam-nos a desenvolver uma couraça. Quando criamos uma couraça entre nós e o mundo externo, nos furtamos a muitas das possibilidades que a vida oferece. Interrompe-se o livre fluxo da energia cósmica. Torna-se difícil, em todos os sentidos, absorver o que é bom e expelir o que é ruim. Vivemos numa cápsula.

Como todos os mamíferos, somos homostáticos. Significa que mantemos constantes certos equilíbrios do corpo, como a temperatura, adaptando-nos às mudanças e aos desafios do meio. A força e flexibilidade permitem ao ser humano manter um equilíbrio interno, mas ele prefere dominar o ambiente a controlar a si mesmo. Aquecimento central, ar-condicionado, carros que tiramos da garagem para percorrer apenas trezentos metros, cidades que ficam acesas a noite toda, alimentos fora da estação importados de todos os cantos do mundo – são todos exemplos de tentativas de fugir à obrigação de adaptar-nos à natureza e de forçá-la a adaptar-se a nós. Nesse processo, vamos ficando fracos e frágeis.

Imagine que você perdeu o emprego. Esse é um desafio externo que traz uma série de preocupações: como pagar a prestação da casa, como sustentar e vestir a família etc. E gera também um grande estresse emocional . Mas, se você estiver em equilíbrio, se houver uma osmose energética entre você e o mundo exterior, você se adaptará e conseguirá sobreviver arranjando um novo trabalho. Pureza e sensibilidade significam que recebemos um contracheque cósmico a cada dia vivido. Quando, por meio de prática, a harmonia e a integração com o mundo em que vivemos.

Um dos grandes dons do Yoga, mesmo para os iniciantes, é a felicidade que ela traz, um estado de contentamento autoconfiante. A felicidade é boa em si e constitui a base do progresso. Uma mente inquieta não consegue meditar. Uma mente serena e feliz nos permite empreender nossa busca e viver com arte e talento. A felicidade às vezes produz estagnação, mas, se a liberdade é resultado da felicidade disciplinada, abre-se a possibilidade da verdadeira libertação.

O corpo não deve ser negligenciado nem tratado com mimos, pois é o único instrumento e o único recurso de que dispomos para embarcar na busca da liberdade. De tempos em tempos, surge uma onda de desprezo pelo corpo, como se ele fosse algo não espiritual. No entanto, ninguém pode se dar ao luxo de negligenciá-lo. Em outros períodos, vira moda ser permissivo com o corpo e desprezar o que não é físico. Contudo, ninguém pode negar que a vida é mais do que meramente prazeres físicos e dor. Se abandonarmos o corpo ou formos complacentes  com ele, as doenças virão, e o apego a ele será maior. Seu corpo já não poderá servir de veículo para a jornada interior e pesará como um fardo amarrado ao pescoço na estrada real que leva à Alma. Se você pensa que é seu corpo, está enganado. Se você pensa que não é seu corpo, está enganado também. A verdade é que, embora o corpo nasça, viva e morra, só por intermédio dele você poderá ter um vislumbre do divino.

Para o Yoga o corpo é muito diferente de como o vêem os esportes ocidentais, que tratam como um cavalo de corrida, tentando forçá-lo a se tornar mais e mais rápido para competir com outros corpos em velocidade e resistência. A essência do Yoga não tem que ver com exibições externas, mas com o cultivo interno. O Yoga é tão belo quanto o divino. O Yogue busca dentro de si tanto a luz como a beleza, a infinitude e a libertação. Certa vez um jornalista disse que eu era “de ferro”, e tive de corrigi-lo, pois não sou duro como o ferro, mas duro como o diamante. A dureza do diamante faz parte de seus atributos, mas seu verdadeiro valor está na luz que irradia através dele.

Como então devemos nos aproximar do asana e praticá-lo de forma que ele nos conduza à saúde e à pureza? Qual é o caminho que leva da flexibilidade à divindade? Os Yoga Sutras do sábio Patanjali fornecem os fundamentos da vida Yogue. O interessante é que há ali somente quatro versos que tratam especificamente de asana. Cada menção, por isso, requer leitura atenta e profunda compreensão. Patanjali disse que os asanas trazem perfeição ao corpo, beleza à forma, graça, resistência, solidez e a dureza e o brilho do diamante. Sua definição básica do asana é “Sthira sukham asanam”. Sthira significa firme, fixo, constante, resistente, duradouro, sereno, calmo e tranquilo. Sukha significa deleite, conforto, alívio e beatitude. Asanam é o plural de asana em Sânscrito. Um asana deve ser praticado, portanto, sem agitação, perturbação e excitação em todos os níveis do corpo, da mente e da Alma. Ou, tal como o traduzi antes: “Asana é a firmeza perfeita do corpo, a constância da inteligência e a benevolência”.

Quando todos os invólucros do corpo e todas as partes de uma pessoa se coordenam durante a execução do asana, as flutuações da mente cessam e ela se liberta das aflições. No asana, você deve alinhar e harmonizar o corpo físico e todas as camadas do sutil corpo emocional, mental e espiritual. Isso é integração. Mas como alinhar esses invólucros e experimentar essa integração? Como encontrar tão profunda transformação em algo que, visto de fora, parece simplesmente um corpo que se estica e controle em posições incomuns? Tudo começa com a percepção. ”

Trechos do livro: Luz na Vida – B. K. S. Iyengar.

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